Por: Raphael de Jesus
Ser jornalista não é pré-requisito para ser escritor, entretanto, que outra profissão abarcou nomes como: Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Rubem Braga, Monteiro Lobato, Carlos Heitor Cony, Olavo de Carvalho, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José de Alencar, Gonçalves Dias, Cruz e Sousa, Olavo Bilac, Aluísio Azevedo, Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes?
Um escritor deve ser capaz de conciliar as obrigações laborais com a lapidação do estilo e era isso o que Rômulo Leite tinha em mente quando se formou em jornalismo. Desde o colégio ele desejava o caminho das letras e, inspirado por alguns de seus ídolos, pensou que seu destino natural fosse trabalhar em uma redação. Acabou conseguindo, porém não em um jornal, mas sim em uma agência de marketing digital, a Slang.
Escrevendo textos para redes sociais, Rômulo aliviou as despesas de casa e obteve a liberdade de que precisava para desenvolver sua literatura no tempo livre. Nesse ínterim, ele adquiriu o hábito de documentar o que quer que lhe chamasse a atenção em um caderninho que carregava consigo. Acabou chamando a atenção dos colegas, que especulavam sobre o que tanto escrevia. Mas ele sempre desconversava, pois temia constranger os fornecedores de sua matéria-prima.
Certo dia, o escritor foi participar de uma reunião de briefing da farmácia Farmatiba e, na pressa, deixou o caderno em sua estação de trabalho.
Alexandre, um sujeito zombador que trabalhava na Slang como diretor financeiro, percebeu a desatenção de Rômulo e caminhou lentamente até o misterioso objeto.
Ele pegou o caderno e enquanto o segurava, demorou-se ao admirar a capa, como se estivesse diante de um objeto valiosíssimo.
- “Olha só o que temos aqui...” - maliciou Alexandre para os colegas ao lado.
Ivo, o diretor de arte, ficou ansioso e pediu para que o conteúdo fosse lido logo. Enquanto a Jéssica, que era do atendimento, pontuou que o redator poderia ficar chateado se descobrisse.
- “Ah, ele é gente boa, não vai ligar” - disse Alexandre, ao abrir o caderno.
Lendo alguns trechos a esmo, o diretor financeiro deparou-se com pequenas descrições sobre o ambiente da agência, clientes e confissões quanto ao status baixo do colega no emprego, remetendo-se sempre a ideias para novas estórias.
Antes que abandonasse a leitura, encontrou uma descrição de si mesmo:
“Alexandre, o diretor financeiro, é um sujeito simpático, porém distante. Passa o dia todo metido em telefonemas como se fosse amigo dos clientes. Nos momentos de distração está sempre contando piadas, mas nunca conseguimos ter uma conversa franca e não sei dizer quem ele é para além das aparências.
Posso aproveitar isso em um personagem que, apesar do carisma, tenha dificuldade para se relacionar verdadeiramente com as pessoas. Alguém cuja vida se resume a ir de casa para o trabalho e vice-versa. Faz lembrar Jack Lemmon em “Se Meu Apartamento Falasse”, com uma alegria melancólica, tentando manter a própria essência em meio a um ambiente burocrático, hostil e aproveitador.
De todo modo devo ressaltar que ele parece ser uma ótima pessoa”.
Embasbacado, Alexandre dividiu-se entre sentir sua privacidade invadida e a surpresa por descobrir que era bem quisto.
- “Será que ele escreveu algo sobre mim?” - Perguntou Ivo.
Mais do que descrições, cada nova linha revelava a perspicácia, a criatividade e a cultura do publicitário-escritor, bem como sua sinceridade e bondade ao ponderar sobre aqueles com quem compartilhava o ambiente. Para cada um dos ouvintes a impressão não poderia ser melhor: tratava-se de um jovem sem par.
Entretanto preferiram o silêncio. Alexandre devolveu o caderno ao local de onde o pegou e os outros retomaram suas atividades sem se entreolharem.
Mais tarde, Rômulo voltou da reunião e estranhou o clima. Registrou em seguida suas impressões, como de costume.
Depois do trabalho, Alexandre veio puxar papo. Começaram falando sobre as demandas e então o colega contou um pouco de sua história na agência e seus interesses pessoais, completando a imagem que Rômulo formulara. O escritor ficou perplexo, porque enfim tiveram uma conversa franca e amigável. Assim que chegou em casa, ele correu para fazer o que mais lhe aprazia: escrever, e criou um pequeno conto sobre as situações que vivera em um dia tão atípico.
FIM
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