Por: Raphael de Jesus
Um cliente dificilmente sabe o que quer, mas aquele Ubirajara Cabral ultrapassou todos os limites. Era um carioca de fala mansa e metida, dono de uma loja de fogos de artifício, que contratou a agência de publicidade Zênite para desenvolver seu site novo e gerenciar suas mídias sociais.
Conforme o trabalho se desenvolvia, não passou um dia sem que ele ligasse exigindo alterações e isso começou a sobrecarregar o Mário, que trabalhava como redator por lá. E ele teve que aguentar a demanda, pois, segundo seu chefe, não se pode contrariar um cliente pagante.
Ao fim do mês, o site ficou pronto, mas nem por isso as chamadas cessaram, extrapolando o ambiente e o horário de trabalho. Mário viu seu WhatsApp inundado com solicitações das mais diversas, sejam elas substanciais ou irrisórias. Num dia, Ubirajara ligou às nove da noite para que um parágrafo fosse removido de um texto do blog. Noutro, acordou o solícito redator às sete da manhã para veicular uma chamada de um show de música sertaneja.
Numa sexta à noite, Mário estava muito cansado da rotina e planejou se deitar mais cedo. Mas às onze da noite, lá estava Ubirajara, para mais uma solicitação noturna. Dessa vez ele tinha um feedback: estava frustrado. Disse que tinha muito estoque acumulado do ano anterior, que precisava vender tudo o quanto antes para amenizar o prejuízo e por isso precisava de uma solução.
O redator, que era também seu gestor de mídias sociais, explicou que a publicidade exige paciência e planejamento, pois cada negócio funciona de uma forma diferente, sendo preciso testar possibilidades até encontrar a que funcionasse melhor. O cliente estava irredutível, disse que estava disposto a tudo para alavancar suas vendas. Mário então sugeriu que ele aumentasse o orçamento de seus anúncios para que alcançasse mais pessoas, assim aumentando suas chances de conversão.
“Boa! Pod serrr. Goshtei” - ele agradeceu a sugestão e desligou o telefone na cara do funcionário.
Pela primeira vez em um mês Mário não recebeu mais uma única chamada, durante as duas semanas que duraram a campanha. Ao fim do período, recebeu um novo feedback:
“Achu que essa campÂnha aê nÃo rolô, saca?” - Ubirajara disse que precisava de uma solução definitiva, algo que o fizesse vender o quanto antes, senão encerraria o contrato.
Mário pensou por um momento e disse que as melhores soluções que conhecia eram fazer um saldão da loucura, com preços baixíssimos, ou uma intervenção urbana. Essa última hipótese foi a que pareceu cativar o empresário, pois quis saber mais a respeito. O publicitário explicou que ele poderia preparar algum tipo de ação em um local público, para chamar atenção. Como quando colocaram uma torre de dinheiro no meio da Boca Maldita para divulgar o filme da Lava Jato. De todo modo, ele alertou que essas duas opções exigiriam maior tempo de planejamento e poderiam não surtir efeito. Ubirajara agradeceu as sugestões, prometeu ao rapaz mundos e fundos, de que o contrataria como freelancer, e outra vez desligou o telefone abruptamente.
Dito e feito, o vendedor de fogos de artifício encerrou o contrato e se tornou motivo de chacota nas conversas entre os funcionários da agência, que o elegeram como um Imortal de sua Galeria dos Clientes Infames.
Na semana seguinte, durante todos os dias, pontualmente ao meio dia, o centro da capital paranaense foi brevemente iluminado pelo brilho dos fogos de artifício, que logo se tornaram fumaça e mancharam o céu com espectros negros.
O assunto repercutiu entre as pessoas que trabalhavam nas redondezas e virou meme nas redes sociais. Diziam que a hora do almoço só poderia acontecer após a hora do foguetório.
Até o corpo de bombeiros foi acionado e, após o episódio, o vendedor de fogos de artifício, que era um grande fornecedor na região, foi preso por perturbação a ordem pública e viu sua loja ser interditada.
Ubirajara passou o réveillon na cadeia, acompanhando o espetáculo do brilho das estrelas.
FIM
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