Por: Raphael de Jesus
Enquanto afundava o backspace, Alan Tanagri bufou. Estava estressado, sentindo a visão turva e a mente enuviada, sem conseguir pensar em um meio de expressar em palavras seu ressentimento.
O texto que se esvaía era uma carta, no caso, uma mensagem bem elaborada, destinada a seu melhor amigo, Luiz Gustavo Moreira, com quem estudava Publicidade e Propaganda na Universidade.
Eles se conheciam havia 6 anos e ainda não tinham se formado, resultado de três greves docentes e de protelarem o Trabalho de Conclusão de Curso.
Eram bons amigos e não poderia ser de outro modo, já que não se misturavam aos drogados e boêmios que estudavam por lá. Ajudavam-se nos trabalhos acadêmicos, frequentavam eventos da área e também troçavam de seus professores, nisso sem se diferenciarem de qualquer outro estudante.
Os professores eram ruins, ainda que um ou outro fosse uma boa pessoa. Seus conhecimentos não eram muito maiores do que os dos frequentadores daquela instituição, já que liam os mesmos livros, ocasionando correções ou discussões acaloradas vindas até mesmo dos alunos mais desinteressados. Além disso, os veteranos sentiam há algum tempo um certo descompasso entre a faculdade e o mercado e a cada ano se multiplicavam jovens adultos sem nunca terem ouvido falar em trabalho. Com a tecnologia ter um domínio enciclopédico da história da publicidade não conseguia fazer frente a qualquer ignorante que soubesse mexer no Photoshop.
Essa era uma das poucas opiniões à beira da unanimidade por ali, sendo a tônica das relações sociais entre os discentes. A cada novo semestre não havia uma geração que depois de dois meses na faculdade não se visse contaminada pelos traquejos dos veteranos. E isso se seguiu até provocar o primeiro motim.
Ricardo Vaz era um jovem professor especializado em criação publicitária, com mestrado e 10 anos de experiência em agências de Curitiba, São Paulo, Chile e Argentina. Após o professor de Legislação e Ética Publicitária pedir licença para fazer doutorado, Ricardo foi escalado de última hora para assumir a cátedra. De fato não era sua área, mas ele se esforçou para entregar aos alunos um conteúdo adequado, trabalhando boa bibliografia em sala de aula.
Não durou mais do que duas aulas, sucumbindo à fúria dos estudantes que se reuniram no auditório e votaram por 59 a 1 por sua remoção.
O único voto contrário foi o de Alan, por compaixão. Depois da primeira aula, acabou voltando no mesmo ônibus que o professor e ouviu histórias interessantes de sua época como intercambista em Santiago do Chile. Para Alan, seria cretinice derrubá-lo depois de ter sido tão amigável e se isso acontecesse, o mesmo deveria ser feito com os outros professores, já que o curso era de baixo nível.
Essa opinião lhe valeu uma indiferença que se fazia sentir por parte de seus colegas. Tentaram ignorá-lo, mas acabaram transparecendo um certo desprezo. E da parte de Luiz Gustavo, que ficou do lado da maioria, sobrou uma acusação de passividade em uma conversa posterior.
Alguns dias depois, membros do centro acadêmico dos discentes entregaram uma moção à reitoria pedindo pelo afastamento do Professor Ricardo, substituído na semana seguinte por outro pior e que não enfrentou resistência alguma dos alunos já saciados.
Passado um ano, foi a vez de Luiz Gustavo entrar em rota de colisão com o professor de semiótica, Paulo Roberto Pires. Ao discordar de uma de suas posições, ele feriu seu ego, tornando a discussão acalorada. Saiu da aula humilhado, porque não tinha fundamentação teórica para suas opiniões.
À noite, procurou Alan no Facebook, perguntou se sua atitude foi desmedida e obteve uma larga resposta. Em primeiro lugar teve que reconhecer que partiu despreparado para o confronto, independente do nível daquele professor. Em segundo lugar, que aquela discussão era perda de tempo, pois a maioria dos professores não havia feito contribuições decisivas em suas formações, tampouco estavam interessados em mudar de opinião, tendo seu cargo como confirmação de autoridade intelectual. Por fim, relembrou que o professor detinha algum poder de influência no mercado e que por conta desse episódio ele poderia queimar suas possibilidades futuras. Pediu ao amigo que resistisse às aulas, porque em pouco tempo o curso acabaria e não mais o veria.
Luiz Gustavo agradeceu pela conversa e as sugestões. Na semana seguinte, assistiu à aula se esquivando das encaradas fulminantes de Paulo Roberto enquanto se contorcia por dentro a cada uma de suas declarações. De volta à rede social, reportou a sessão de tortura, afirmando que a partir dali não se controlaria mais. Alan disse ele poderia fazer o que quisesse, mas que ainda assim achava a atitude errada.
Coincidiu-se que naquela época começaria um processo de seleção para docentes fixos na faculdade e com isso começaram os burburinhos, seja nos corredores após as aulas, nas rodas de fumo ou nos grupos de Facebook. Entre desajustados, gazeteiros, academicistas, imbecis, boêmios, feministas, promíscuos, drogados, militantes e pedantes, toda a nata discente se demonstrou imensamente preocupada com os rumos da instituição após o processo.
Formaram então um grupo secreto no Facebook e Alan foi incluído, embora não soubesse o motivo. As conversas envolviam os tradicionais escárnios e risos contra os professores, até se assemelhar a um plano de ataque, combinando as perguntas que deveriam fazer aos candidatos visando constrangê-los, já que os estudantes poderiam participar do processo.
O referido professor de orgulho ferido era um professor convidado e buscava uma oportunidade para se efetivar. Assim que a massa tomou consciência disso, tornou-se mister a necessidade de o barrar.
Quando a conversa chegou a esse ponto, Alan não quis mais acompanhar, não só porque era contra esse patrulhamento desmedido, como também tinha dificuldade para desenvolver o TCC. Apesar de já ter vinte e três, não possuía autonomia para ir vir. Ele era constantemente mapeado pelos pais em suas intenções, nos ínfimos detalhes dos locais que iria frequentar, precisando de um bom motivo para ir. Tampouco trabalhava, não tinha dinheiro para o ônibus e como o curso já estava no final, não tinha mais tantas aulas, tendo como único contato com o mundo exterior a internet, a televisão e visitas esporádicas aos parentes.
Antes que pudesse se desconectar de sua conta, teve sua atenção desviada por uma nova mensagem na caixa de notificações, sinalizando uma atividade recente por parte de Luiz Gustavo.
Alan clicou na notificação e se viu novamente no indesejável grupo secreto. Rolando as conversas para baixo, pôde observar o engajamento do amigo até ler o trecho em que ele o citava nominalmente, entre outros estudantes, chamando-o de carreirista e que poderia sabotar a ação.
Ficou consternado. Luiz Gustavo estava irreconhecível. Como poderia seu amigo mais próximo e de longa data o descrever de tal modo a algumas das pessoas mais desprezíveis e mais desprezadas por ambos?
Curiosamente, a reação do grupo foi impassível e a preciosa contribuição de Luiz Gustavo ficou perdida entre os planos para o golpe de Estado que os estudantes pretendiam fazer.
Pensou em aproveitar a desatenção dele quanto a sua presença para humilhá-lo publicamente, mas intuiu que a revanche se voltaria contra ele. Os membros daquele grupo eram pessoas com quem, nestes anos todos, Alan não trocara mais do que algumas pilhérias em comum contra os professores e desconfiara que falavam dele pelas costas, pois sempre percebia olhares vacilantes, burburinhos e o esvaziamento dos ambientes quando da sua presença. Não queria dar a eles a oportunidade de verem-no nessa situação.
Clicou no nome de Luiz Gustavo na aba lateral para iniciar uma conversa privada. Fitou por algum tempo a caixa de diálogo que se abriu. Sua visão estava enuviada e a nuca queimando. Em sua mente, lembrava dele o chamando de carreirista, as zombarias que faziam nos intervalos, o ombro amigo que fornecia quando ele lhe perturbava no Facebook dizendo o quanto se sentia derrotado, tudo isso como se fosse um antigo aparelho zootrópio, em eterno looping. Quis chorar, mas tinha dor de cabeça.
Alan se desconectou do Facebook e por algum tempo não tornou a acessar, passando a se concentrar no TCC. Durante algumas semanas, foi interrompido por chamadas do ex-amigo em seu WhatsApp, mas deixava-as tocando até desligarem.
Por mais que tentasse se afastar, mais crescia sua curiosidade em saber por onde ele andava. Foi então que passado um mês desde o ocorrido, resolveu se reconectar às redes sociais.
Tanto no WhatsApp como no Facebook, havia mensagens com perguntas sobre se ele estava por ali ou se tinha acontecido algo de errado.
Alan deixou por assim mesmo e passou a procurar por atualizações no Feed e se deparou com um resumo da vida de Luiz Gustavo nesse ínterim. Ele passou a sair mais, participando de congressos e viajando.
A cada post que Alan conferia, mais crescia seu ressentimento. Desejava não tê-lo conhecido, enquanto insistentemente se lembrava do infame adjetivo pelo qual o designou: carreirista.
Essa palavra ecoava em sua mente causando indignação e ódio, mas o pior ainda estava por vir.
Continuando a verificar o Feed, novas atualizações apareceram e com elas uma foto de Luiz Gustavo em uma festa com vários de seus colegas de sala. Os mesmos que eles passaram anos criticando pelo descomprometimento.
E isso foi a gota d’água. Menos de um minuto foi o tempo que bastou para que Alan acessasse o perfil de Luiz Gustavo e clicasse no botão para desfazer sua amizade.
Era uma falsa amizade e com ela perdera alguns anos se anulando. Nem todos os alunos eram erráticos e Alan conversava com ele por mera condescendência, o que o impediu de conhecer novas pessoas.
Refletiu então sobre sua condição atual e sentiu-se como se estivesse trancafiado em uma masmorra. Só lhe restou fazer o TCC, enquanto remoía o acontecido.
Passados três meses, finalmente havia concluído o TCC e poderia sair de casa para livrar-se da faculdade. Logo em seguida, viu-se com um dilema: e se fosse cruzar caminho com Luiz Gustavo? O que diria? Poderia ignorá-lo, mas isso só lhe atiçaria a curiosidade. Poderia, talvez, encará-lo de frente e contar tudo o que viu e o que passou, mas como ele reagiria? Tentaria se explicar? Pediria perdão? Assumiria o erro?
Se possível, preferia não vê-lo nunca mais, mas era improvável. Pensou que o ideal seria não falar com ele, mesmo que fossem cruzar caminho e para isso ele precisaria estar ciente da mágoa de Alan.
Por isso, resolveu escrever uma carta.
*
Depois de apagar o rascunho, Alan foi para seu quarto. Deitou-se na cama e levou as mãos à cabeça. Escarnecia, grunhia e sua fronte explodia em pressão.
Amaldiçoou o dia em que entrou para aquela faculdade, imaginando que teria sido mais proveitoso se tivesse cursado administração ou direito, desejando não ter fazer mais nada e esquecer tudo isso.
Mas ele tinha de fazer. Levantou-se alguns minutos depois e voltou à sala para encarar a tela em branco.
Decidiu por ser mais objetivo, não ponderar as palavras e registrar o que lhe vinha à cabeça, em um fluxo de consciência que preencheu algumas páginas com puro ressentimento.
Depois de duas horas, corrigiu a forma do texto e alguns erros gramaticais, obtendo este resultado:
“Luiz Gustavo,
Como deve ter notado, faz quatro meses que não dou sinal de vida. Não respondi sua última mensagem sobre as defesas do TCC ou até mesmo qualquer outra. Também não atendi a nenhuma de suas chamadas pelo WhatsApp e nem frequentei mais os eventos de nossa profissão. Além disso, cancelei nossa amizade pelo Facebook.
Não quero mais procurá-lo e o motivo é que estou profundamente magoado contigo. Vou explicar o porquê:
Em um dia qualquer, reparei numa notificação em minha caixa de mensagens do Facebook, indicando seu último envio. Naturalmente pensei que precisasse de alguma coisa, como é do seu costume, mas sua mensagem não era endereçada a mim. Estava destinada ao grupo “Processo Seletivo - Docentes” o qual suponho que você não soubesse que faço parte.
Lá, pude conferir uma declaração sua me chamando de carreirista.
Como pôde me chamar desta forma? E ainda por cima pelas minhas costas! Foi por causa do outro dia depois da aula de semiótica, quando te aconselhei a não se confrontar com aquele enfadonho do Professor Paulo Roberto? Eu estava tentando te ajudar!
E não me venha se defender acusando que não precisa de conselhos porque foi você quem me procurou! Basta reler sua mensagem, é fácil identificar nela um tom arrependido, apenas procurando alguém que te passasse a mão na cabeça.
Aliás, você é sempre assim. Quantas vezes nesses anos todos que eu te conheço você não veio interromper os meus afazeres para vir reclamar do quanto você se sentia derrotado? Pelo seu portfólio ser rejeitado mil vezes, pelos comentários que faziam pelas suas costas.
Quantas vezes eu não te ajudei em trabalho acadêmicos? Eu até coloquei o seu nome em um em que você não fez nada. Sou seu amigo cara!
Eu fiquei horas ouvindo você se lamentar dos seus fracassos e dos professores. É verdade que eu também os desprezo, mas não o tempo todo. Eu apenas aumentava o coro pra você não ficar no vácuo. Ninguém queria falar contigo.
Sei que tem outros amigos, mas a julgar pelo tempo que passei ouvindo suas ladainhas, penso que nenhum deles te ajudou como eu te ajudei.
E por isso eu sou um carreirista? É óbvio que eu quero ter uma carreira, qualquer um quer, incluindo você.
Lembra daquela vez em que você foi na Prestígio? Você praticamente invadiu aquela agência, chafurdando em todos os setores na esperança vã de que te dessem um emprego. Não me espanto que não tenha conseguido. O que você chama de proatividade nada mais é do que petulância.
Não sou carreirista.
O que me fez tomar partido foi a possibilidade de limitação das suas possibilidades profissionais, até porque o mercado de Curitiba é um ovo. De fato, emprego não nos faltará no marketing digital, mas as agências são todas tão pequenas! E isso significa um portfólio pior e um salário irrisório.
Você sabe tão bem quanto eu que o que realmente importa em publicidade são as grandes agências, onde estão os verdadeiros clientes, os que podem nos fazer ganhar prêmios. Não há mais do que dez boas agências em Curitiba e isso não nos dá muita opção. Todos os professores trabalham nelas.
Nesse cenário é natural ser carreirista. Todo publicitário é em essência um carreirista, à procura do próximo cliente, do próximo crédito, do próximo prêmio.
Mas se sou carreirista, devo dizer que você é muito mais. Não bastava um Leão em Cannes ou em Veneza, era preciso tirar o emprego dele também?
Além do mais, naquele dia você estava errado e o professor te humilhou. Quando ele te pediu para que citasse um único autor você ficou calado. Eu só te aconselhei para que calasse a boca e não interrompesse mais a aula.
Você sabe tão bem quanto eu que esta faculdade não presta exceto pelo maldito diploma. Todos os professores são ruins. Cansamos de ver tanta gente medíocre sendo colocada nas melhores agências só pela afinidade! Quantas vezes você não se queixou disso?
Queixar-se é o que você faz de melhor.
E quanto aos nossos colegas? O João Miguel Trindade, por exemplo. Não era ele um dos “esnobes”, que se achavam o centro do Universo porque teve um projeto apresentado no SXSW? Confesse, você sempre teve inveja dele.
E pra quem você foi contar que eu era carreirista? Logo ele! E todos aqueles outros drogados idiotas com quem a gente estuda.
Se é que eu posso tirar alguma compensação disso tudo é que eles não deram a mínima pra você. Eles nunca deram a mínima pra você. Apenas eu. Não mais.
Adiantou alguma coisa o protestinho da sua turma? O Paulo Roberto ainda dá aula lá.
A verdade é que você é um parasita e se apoiou em mim o quanto precisou, enquanto eu definhava.
E é por tudo o que foi exposto acima que quero pedir que não mais me procure, porque estou rompendo nossa amizade”.
Alan estava ofegante e um pouco hesitante, mas depois do ponto final, copiou todo o texto com um ctrl + t e ctrl + c.
Então, acessou o perfil de Luiz Gustavo no Facebook e lhe enviou a fatídica mensagem.
Era isso. O recado estava dado e só restava esperar que ele o lesse, mas ele não estava online.
Enquanto o computador repousava com a página do Facebook aberta, Alan mal conseguia relaxar. Ele andava de uma ponta a outra da sala, alternando sentimentos de exasperação à raiva e da raiva ao medo, olhando para a tela de quando em quando à espera de um sinal de resposta.
Uma parte considerável de sua vida estava se esvaindo e ele lamentou não possuir nenhuma lembrança positiva daquele período. Em seu movimento contínuo, andando pela sala, estava convencido de que sua mensagem atiçaria o modo defensivo no ex-amigo, que não daria o braço a torcer. Alan, olhou pela janela e temeu que o estivessem observando do lado de fora. Por isso, fechou as cortinas para poder divagar mais tranquilamente.
Passada meia hora, checou novamente o Facebook para procurar algum sinal e não obteve resposta.
Em seguida a campainha tocou. Eram os pais de Alan, Fernando e Emília, carregados de sacolas do supermercado.
-Alan, abra logo essas cortinas. Está um breu aqui - afirmou Emília enfaticamente assim que entrou na sala.
Alan estava apreensivo. Abriu as cortinas, trancou a porta da sala e foi para a cozinha ajudá-los a guardar os produtos.
-Filho, sabe quanto custou esse panetone? Foi de vinte e quatro para oito reais. Acredita? - Informou Fernando, segurando a caixa com panetone. Estava contente pela promoção.
-Legal - respondeu Alan impassível, enquanto guardava um vidro de picles e outro de maionese na geladeira.
-Hoje o mercado estava lotado, fazia muito tempo que a gente não ficava esperando tanto na fila. Acho que foi mais de uma hora filho! Todas as filas, de uma ponta a outra, estavam abarrotadas de gente - explicou Fernando, recolhendo as sacolas vazias pelo chão.
-E cada carrinho estava cheio até a boca - completou Emília, guardando produtos de limpeza na lavanderia.
-Pois é, acho que deve ter coincidido a data de pagamento de todo mundo. Só pode ser - Concluiu Fernando.
-Que coisa - disse Alan assim que terminou de guardar o resto dos produtos, seguindo logo para a sala.
De volta ao computador, Alan pôde enfim ver Luiz Gustavo online e a mensagem visualizada. Tentou segurar a respiração para não transparecer seu nervosismo, aguardando pela resposta, mas momentos depois seu desafeto se desconectou.
Recarregou a página várias vezes, na tentativa inútil de obter alguma reação, mas não obteve resultado algum. Esse silêncio fez Alan se sentir humilhado. Depois irascível, arrependido de ter dado tanta atenção a essa pessoa e minado sua vida social na Universidade.
Fernando entrou na sala, depois de ter guardado o resto das compras. Sentou-se no sofá e ligou a tv no canal de esportes.
-Parece que o Neymar foi expulso de novo… - disse Fernando, tentando puxar conversa.
-Vixe... - respondeu Alan, sem tirar os olhos da tela.
-Está tudo bem? - perguntou Fernando.
-Sim - pontuou Alan, com expressão fechada.
-O que é que você está vendo aí? - questionou Fernando.
-Nada de mais - respondeu prontamente Alan.
-Então porque você está tão evasivo? Desde que nós voltamos, você mal deu um pio - observou Fernando, preocupado.
-Só estou concentrado - defendeu-se Alan.
-Você está escondendo alguma coisa? - desconfiou Fernando.
-Deixa ele, não é nada - Interveio Emília, que estava na cozinha, apaziguando.
-Como eu posso esconder algo, se nem vida privada eu tenho? - ironizou Alan.
-Não entendi - disse Fernando, dando a Alan uma última chance.
-Eu já tenho vinte e quatro, não tenho que dar satisfação - disse Alan em tom taciturno.
Fernando levantou-se prontamente e esbofeteou o filho com a mão esquerda, que era a boa. Quando Alan recobrou a consciência, logo levou outra bofetada, dessa vez com a mão direita, que o forçou a largar o computador em seu colo e erguer os braços para se defender.
-Basta! - interveio Emília, segurando Fernando.
Alan largou o computador no sofá e marchou até seu quarto
Com o rosto dolorido, sentou-se na cama e chorou. Sentia a cabeça como uma panela de pressão, pela dor dos golpes que levara, mas mais ainda por seu ressentimento.
Levantou-se e socou a parede com força, mas a dor que sentiu em seu punho não era maior que seu ressentimento.
Então abriu as cortinas e a janela. Uma luz alaranjada e um vento forte invadiram o quarto. Alan apoiou-se no parapeito e olhou Curitiba panoramicamente, estava muito acima dos incipientes arranha-céus. Olhou para o asfalto cinzento, distante do 18º andar, sem sentir o frio na barriga, apenas o rosto inchado. Segurou a beirada com os dois braços e ergueu a perna direita para se sentar. Em seguida, segurou-se nas duas janelas e girou o tronco para erguer a perna esquerda, ficando com os pés para fora do apartamento. Olhou novamente para baixo e isso foi o suficiente para que perdesse o equilíbrio.
Uma hora mais tarde, Fernando veio da sala carregando o computador:
-Filho, o Luiz Gustavo respondeu. Ele está te pedindo perdão.
As cortinas balançavam ao vento. Estava um pôr do sol particularmente agradável naquele dia.
FIM
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