MAS EU SOU DESIGNER - A CIDADE E A PUBLICIDADE

Por: Raphael de Jesus

Na München Marketing Digital trabalhava uma designer chamada Caroline Delatorre. Bacharelada, pós-graduada e com dez anos de experiência no mercado, Caroline acreditava que todo projeto precisa ter um porquê, em consonância com os objetivos do cliente, as necessidades de mercado e os mais altos padrões estéticos.

- Mas eu sou designer… - ela respondia toda vez que fosse contrariada, sem distinguir o interlocutor. Como a agência era pequena, a posição que conquistara ali fazia-lhe valer a própria voz.

Certa vez, a designer teve de reformular a identidade visual da Imobiliária Horizon e montou um manual de marca detalhadíssimo. A logomarca em letras cursivas enunciava elegância, como se assinada fosse por um grande estilista de moda. O dourado, o branco, o preto e o rosé (também conhecido como Ouro Rosa) combinavam-se na medida perfeita para criar um perfil austero, minimalista e chique para atrair um público exigente e de alto poder aquisitivo. Padrões que se multiplicavam entre as mais variadas possibilidades gráficas, do calendário aos posts de redes sociais.

Durante o desenvolvimento do site da marca, Israel, que trabalhava na agência como programador, sugeriu que o layout incorporasse um slider, isto é, um carrossel de imagens, destacando os principais imóveis da empresa para capturar a atenção do usuário no momento em que abrisse a página.

- Ah, mas eu sou designer… - protestou a experiente profissional, preferindo manter a belíssima imagem de um horizonte, que escolhera para a capa do site.

Essa vinha sendo a tônica da relação entre os dois desde que ele fora contratado e, para evitar rusgas, o programador se limitou a apenas cumprir suas tarefas rotineiras.

Depois da entrega do site, Israel assumiu um novo job, dessa vez para o escritório de advocacia Tosatto & Zanchi.

Ele precisava de imagens relacionadas ao Direito e à Justiça para ilustrar o portal do cliente e por isso acessou o Freepik. Logo na página inicial, ele se deparou com um post de modelo idêntico ao que Caroline preparara no projeto anterior.

Surpreso, ele custou a acreditar. Em seguida, fez uma varredura no Dropbox da empresa à procura da referência e ao encontrá-la pôde enfim constatar a malandragem. Israel então se perguntou porque ela teria feito isso, já que era uma profissional tão tarimbada e zelosa com a própria imagem. Pensou em alardear para todos, mas teve receio de deixá-la constrangida. Sabia de seu segredo e isso era o suficiente.

Desde então tentou evitá-la, mas não foi possível, pois teve de participar de uma nova reunião. O projeto era para a clínica de estética Bellevue, com uma demanda similar ao cliente anterior. Enquanto discutiam a estética do site com o chefe, Israel sugeriu que o texto institucional da empresa fosse dividido em dois cartões, para melhor exibir as informações para o leitor.

- Mas eu sou designer…

- Não é nada.

- Como assim?

- Você se gaba demais pra quem baixa template.

- Que palhaçada é essa?

- Eu provo.

Os outros membros da equipe, que acompanhavam a discussão, ficaram paralisados, pois nunca haviam visto Israel falar daquele modo. Impelido à desmascará-la, ele acessou rapidamente a referência para exibir a todos.

Caroline desatou a rir, cínica e desprezivelmente.

- Isso?

Israel não respondeu, incrédulo, olhou-a com o cenho franzido.

- Cara, o dia a dia na agência é muito corrido. Eu estou atolada de projetos e não posso ficar me enrolando com postzinhos. Imagina só: ter que parar o que eu estou fazendo pra ligar o Photoshop, subir as imagens e montar tudo. Parece pouca coisa, mas consome muito tempo. Além do que, a gente tem a licença do Freepik e é tudo legalizado. O resto eu faço na mão.

Israel ruborizou-se, já Caroline, triunfante, retomou o rumo da reunião. Os outros ali presentes disfarçaram, como se nada tivesse acontecido. Ao final do dia, envergonhado, ele pediu desculpas à jovem por ter extrapolado o tom e ela aceitou de bom grado.

Mais tarde, já em casa, Caroline suspirou de alívio e riu consigo própria ao relembrar o ocorrido, por ter contornado a situação. Porque afinal, ela era uma designer.

FIM

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